29 setembro, 2010
Pipoca ou Piruá?
Por muito tempo ouvi continuamente que "recomeçar" é muito mais dificil que começar...
Admito que ainda hoje acredito na veracidade dessa frase. Contudo, reconheço a covardia que esse conceito imprimiu em minha personalidade ao longo dos anos.
Particularmente, por muitas vezes me vi diante de um recomeço, e não tive a ousadia para sair da zona de conforto.
Hoje, depois do diagnostico de EM, senti a necessidade de me dar novas chances e oportunidades de recomeço.
Por muito tempo, orei e pedi a Deus que me ajudasse a chegar aos meus 30 anos, diferente do que eu havia chegado aos meus 25. Queria ser mais flexivel, mais paciente, mais tolerante, menos pretensiosa... etc
Acreditava veementemente, que eu mudaria sem que nada ao meu redor necessitasse de uma mudança brusca.
Ledo engano!!!
Para que as mudanças almejadas adquirissem espaço em mim,varias mudanças internas e externas foram sendo necessarias.
Num processo por ora um tanto doloroso, mas imensamente prazeroso e gratificante, o fato de recomeçar tem trazido mais contentamentos do que frustraçoes.
O espaço que outrora cabia o medo,agora encontro força e vontade continua de reescrever um novo tempo.
Sempre curti muito um texto chamado Pipoca de Rubem Alves (dia desses compartilhava com "mermão" e amigo Marcelo "fofissimo") - não fica bravo Má, vc mora em meu coração!- sobre o que Rubem Alves descreve nesse texto comparando o ser humano com a pipoca.
Aqui em São Paulo chamamos o milho que nao estoura de piruá,e eu confesso q por muitas vezes desejei ser pipoca, mas a flor branca e macia, estava escondida dentro da casca dura do meu eu, dos meus pensamentos, do meu modo comodo de viver. Precisou o fogo, precisou a dor, precisou lançar fora o medo e conceitos cristalizados, para adquirir a coragem de recomeçar.
Veja algumas palavras do escritor sobre a Pipoca:
(...)A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela. Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem.
Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.
Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé...
(...)Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!
E o que isso tem a ver conosco???
(...) É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.
Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.
Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.
Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.(...)
Para recomeçar inevitavelmente é necessario deixar de ser de um jeito para ser de outro - diz o autor.
Complementaria, é necessario deixar de ser de um jeito para ser de outro sem perder a essencia, o conteudo.
Acreditar em mudanças sem rompimentos, é acreditar que o milho se transformará em pipoca sem o fogo.
Ao meu ver, é preciso ressignificar-se continuamente, para que possamos exceder nossos proprios olhares, deixando de ser piruás, para quem sabe nos tornarmos pipocas.
O texto na integra vc encontra:http: //www.releituras.com/rubemalves_pipoca.asp
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Um comentário:
Engraçado, mas este mesmo texto da pipoca, foi o responsável pelo início de uma série de mudanças na minha vida, mudanças internas como as que você descreve. Ainda antes do diagnóstico da EM, tive um confronto comigo mesma e a resposta veio através deste texto. Anos depois, qaundo o diagnóstico veio e as dúvidas e apreensões tomaram conta da minha alma, recorri inúmeras vezes à ele para me lembra do que era necessário para continuar. É sem dúvida um belo texto, uma reflexão boa a respeito de nós mesmos.
Abraços querida.
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