Questão de pele... (minhas tatoos)

25 setembro, 2013

Minha Santa Paciência

Bem, depois de alguns dias sem aparecer por aqui, venho hoje falar sobre tolerância.  Pois é, me refiro a tolerância no sentido extremo de paciência.
Tenho pensado nas caracteristicas que diferem e complementam uma palavra à outra depois de um ocorrido que me sobreveio dia desses.

 Vamos ao significado especifico e resumido de cada uma:

pa.ci.ên.cia 

Do latim patientia,  Virtude de quem suporta males e incômodos sem queixumes nem revolta. Qualidade de quem espera com calma o que tarda (...) Paciência de Jó: grande paciência, como a desse patriarca bíblico.


to.le.rân.cia 

Do latim tolerantia, Qualidade de tolerante. Ato ou efeito de tolerar, de admitir, de aquiescer. Direito que se reconhece aos outros de terem opiniões diferentes ou até diametralmente opostas às nossas.  Boa disposição dos que ouvem com paciência opiniões opostas às suas. (...) T. religiosa: atitude governamental em que se concede plena liberdade de culto. T. teológica:condescendência em consentir todas as opiniões que não são abertamente contrárias à doutrina da Igreja.



Pois bem, sentiram que de acordo com as definições apresentadas acima o ato de tolerar exige de nós alem das caracteristicas de ser paciente um "que" a mais?
Pois foi esse "que a mais" que por pouco me fez perder completamente a paciencia dia desses!

Tudo começou qdo solicitei uma nova data para realizar uma nova perícia  para auxilio doença no INSS.
Marquei a data atraves do telefone 135, e me dei conta que o dia agendado antecedia o dia que iria até meu medico pegar meu laudo.
Liguei novamente no mesmo numero e fui informada que nao poderia remarcar a data por telefone. Que deveria comparecer pessoalmente à agencia do INSS e lá então me justificar o porque do meu não comparecimento para o dia agendado por telefone.
Burocracia pouca, é bobagem!!!
Lá fui eu. Naquela semana estava péssima com uma infecção alérgica que me fazia tossir 15 vezes a cada dois minutos! rs
Logo que cheguei, tive a ilusão que chegaria até o guichê de atendimento e logo seria atendida, afinal era apenas me justificar e reagendar uma nova data.
Ahhh quanto engano!
Entrei na primeira fila. Recebi uma senha. Não havia local para me sentar. La se foram uns  15 minutos em pé. Fui atendida. Recebi uma segunda senha. Em meio a multidão avistei duas cadeiras vagas. Rapidamente minha mãe e eu nos assentamos. Olho no relógio, 15:30h. Olho minha senha, P0103. Olho para o painel P0071. 
Ainda bem que havia uma cadeira vazia. Pensei...

Não havia dado nem três minutos que eu  tinha me assentado, uma senhora "simpaticissima" me questionou ao ver minha muleta: 

-Acidente ?
- Foi! - respondo.
-De carro? 
-Não. De medula! Explico. (medula sempre parece algo mais grave e ao mesmo tempo mais simples de explicar). Tem dias que não estou afim de contar toda minha historia. Tenho esse direito!

Com o olhar apenas para o painel eletrônico, demonstrando não estar aberta para nenhum tipo de diálogo ouço:

- Você é bonita!
- Obrigada! (Sou medida dos pés a cabeça.)
- Seu anel é de brilhantes?
- Não.  É falso, comprei no Paraguay!
- Você é mesmo muito bonita!
- Não é sempre! ( Tento alertar que minha beleza estava prestes a chegar ao fim! rs)

Como se o diálogo estivesse fluindo e eu a pessoa mais receptiva naquele momento, sinto meu braço sendo tocado seguido da seguinte frase:

-Jesus pode te curar!
Tive q olha-la nos olhos e dizer, EU CREIO! (Dando um basta naquela conversa).
- Sabe, Deus me deu o poder de cura. Meu pai tinha cancêr e Deus me usou para curá-lo. Minha vizinha sofria de vitiligo, tambem orei por ela e como num milagre foi curada!

Claro que euzinha não poderia me deter. Estava diante de uma santa! E isso muito me interessava! 
Só não entendia o porque, que aquele poço de virtude estava ali como eu, a espera de um parecer de um médico perito.
A questionei sobre a providência do seu laudo, e minha surpresa não foi grande qdo ela prontamente me mostrou sua lista de especialidades médicas que garantiam sua incapacidade fisica e psicologica para o trabalho.
 Dentre ortopedistas, cardiovasculares, neurologistas, psicólogos e psiquiatras, eu passei a me interessar menos ainda pelos "milagres" realizados por aquela mulher.

- Você precisa ir à igreja!
- Não obrigada!
- Você precisa de um encontro com Jesus!
- Já tive varios!
- É mesmo? E como foi? Indagou ela.
- Foram tantos encontros que acabei desencontrando!
-Mas porque você nao vai ao  RR Soares ?
- Cruzes! Respondi.
- E o Apóstolo Valdemiro?
- Deus que me livre! Concluí.
-Me diga uma coisa minha senhora? Porque Deus nao te curou ou não te aposentou  ainda? Assim a senhora não precisaria estar aqui. Passar por isso!

Ufa, estabeleceu-se um silêncio.
Volto meu olhar para o painel eletronico. Minha mãe me olha com aquela cara de que me conhece e que se sente um pouco preocupada por eu estar munida com uma muleta cor de rosa aparentemente inofensiva.
Mas eis que de repente um aparelho de celular se acopla ao meu ouvido numa altura estridente com a voz de um pregador aos berros que faz com que Deus o ouça a força, pela altura e pela distancia da terra ao céu.

Eu mereço! Sim eu mereço! Ja estive do outro lado e mesmo nao agindo dessa forma, era continuamente orientada a falar do amor de Deus em tempo e fora de tempo como ordena as escrituras independente de quem atravessasse o meu caminho.
Certamente o susto que levei com aquele radinho as alturas, me fez pular uns dez centímentros da cadeira, além de me deixar com um zumbido no ouvido o resto da tarde.

Olhei novamente àquela senhora e pedi que me respeitasse, que não estava disposta em ouvir pregação nenhuma naquele momento. Que a individualidade das pessoas mereciam ser respeitadas.
Logo ela tirou o celular com o radinho de perto dos meus ouvidos e colocou uma musiquinha baixinha de uma cantora gospel que aos berros e um fôlego incrivel cantarolava sobre os anjos e demonios certa da vitoria numa vida fora da terra.

Longe da minha senha ser chamada, comecei a refletir sobre o papel daquela mulher. A incoêrencia que sem ao menos se dar conta ela estava ali se submetendo.
A muleta quem segurava era eu, mas a que ela carregava era invisível e pesada, ao ponto de fazê-la expor-se ao ridículo e a inconveniência. Pois todos a olhavam e riam dela.

Seu silêncio, não durou muito tempo. Me explicou que fazia parte de uma igreja em células, e que era seu dever saquear o inferno e povoar o céu.
Milagrosamente meu coração se encheu de compaixão daquela mulher. Pois também vivera as orientações que estavam sobre ela. Também tentei povoar o céu. (Não matei ninguem, faço-me clara! Ao menos não fisicamente!)
Mesmo não agindo com inconveniência, e sempre respeitando o espaço alheio. Sempre que tinha oportunidades falava do amor de Deus (como até hoje falo) mas sem a escravidão de uma tarefa que necessariamente tenho que cumprir. Que me delegaram.
Só sei que minha tolerancia se transformou em compaixão. Estava ali, diante dos meus olhos, uma das muitas pessoas que em sua simplicidade se expõem por amor, por ordem, por religiosidade, fanatismo, compromisso, falta de conhecimento ou sei lá eu por qual motivo.
Passei a dar a atenção para aquela mulher para outros assuntos não relacionados à igreja. Me contou do primeiro casamento. De suas perdas, das suas frustraçoes, da sua saúde, de onde havia almoçado aquele dia e do prazer de gastar vinte e poucos reais num restaurante por kilo.
 A simplicidade de confessar que não é sempre que tem a oportunidade de comer bem e que se pudesse comeria muito mais, me fez sorrir com tamanha sinceridade  ao ponto de esquecer-me do zumbido no ouvido causado pelo pastor berrando.
Graças aos céus, minha senha foi chamada. E aquela mulher não pode concluir a historia de que sua filha de 12 anos havia desmaiado de fome na escola naquela semana. Tinha quebrado os dois dentes da frente. Mas que infelizmente não poderia leva-la ao dentista, pois ela era uma pessoa muito fiel a Deus. Negociava qualquer coisa, menos o dizimo da igreja. 
E terminou: Deus me ajuda,  não sou como muitos, que gastam o salaário todo do mês na farmacia!
Apenas respondi:  Que legal! Graças a Deus essa também não é minha realidade!
E fui embora rumo ao meu guichê, apenas ouvi de longe e baixinho:  
Como assim? Que legal minha filha quebrar os dentes...

















3 comentários:

William de Oliveira Galdino disse...

Até parece uma das crônicas do Luís Fernando Veríssimo! rsrs
O sentimento que a leitura desperta, no entanto, é tragicômico!
Trágico porque, infelizmente, há uma massa de fiéis desorientados (ou seria: orientados, fanaticamente, pelo sentimento da intolerância e do fundamentalismo pseudo-cristão?), curiosamente, "buscando a quem possa tragar" para nos livrar de um inferno iminente... Inferno este que deve ser realmente caótico; já que (assim dizem) é pior do que esta realidade, falsa e moralista, do discurso que discrimina, julga e condena ao mesmo tempo em que ama a todos como Deus sempre nos amou...
E cômico porque a exposição ao ridículo, no caso da irmã do INSS, "conquistando o reino dos céus à força" é, no mínimo, irônica; afinal, o que ela fazia lá mesmo???
Mas, o pressuposto é simples. Há quem diga que, prega-se o amor por obediência (por persuasão, eu diria). E não por um convencimento ou disposição pessoal; pois, na verdade, somos naturalmente incapazes de amar. Por incrível que pareça, a isso chamam de única esperança para o mundo!!!

Drika Sanz disse...

Adorei a leitura e a terminei em estado de choque pela mulher que não pode levar a filha com os dentes quebrados ao dentista para não "tirar" do dízimo da igreja. Ainda não consigo entender como tem gente que pensa dessa maneira com tanta informação que a gente agora tem por aí. O seu texto ficou perfeito, chocante e tragicômico. Quanto ao INSS é preciso ter mesmo uma paciência de Jó para lidar com essas situações burocráticas...

Marcello Juris disse...

Graças a Deus depois que entrei para a terapia parei com essa mania de querer curar as pessoas e salvá-las com minhas orações ! E agora que estou curado pretendo abrir minha igreja !